Impressões portenhas

June 6th, 2011Asteriscos Entre AspasNenhum comentário »

Sede do Poder Argentino. Aqui fica a presidência do país.

por Yumi Inoue
Digamos que sempre senti uma atração gigantesca por tudo que eu não conhecia, sempre tive planos de passar um tempo fora do meu país, fora da minha zona de conforto. Mas, por uma série de motivos tinha os olhos voltados para o hemisfério norte ou pela Ásia, quando surgiu essa oportunidade de vir morar na Argentina aceitei mais pela vontade de mudar de ares do que qualquer outra coisa. Ainda bem que aceitei, porque não é que me apaixonei por essas terras hermanas! Repreendi-me por nunca antes ter me interessado mais por um lugar que estava tão perto de mim.

Bom, acredito que a chegada é a parte mais conturbada da história. De repente ninguém mais fala a mesma língua que você, a cidade é um mistério e só há cantos que não conhecemos. Depois de um dia em Buenos Aires, parti pra La Plata, cidade onde eu moro e estudo, capital da província de Buenos Aires. É um lugar como nunca encontrei antes, extremamente bem planejado, digamos que é um quadrado com ruas numeradas e diagonais que cortam pela metade seu tempo de caminhada.

Ah, aqui, eu, uma sedentária assumida, encontrei prazer em caminhar. As ruas são lindas de se observar, há árvores em quase todos os lugares, as calçadas são largas, praticamente nenhum buraco e raramente vejo sujeira. Pode-se caminhar por horas sem se cansar, porque é um lugar plano. Aqui não existe pracinha, praça é coisa séria, são enormes e bem cuidadas, me encanta ver as pessoas deitadas no gramado das praças tomando seu mate no meio da tarde.

Considerando que a Argentina é um país geograficamente tão próximo do nosso os hábitos argentinos são muito diferentes. Começando pelos horários das refeições. Jantar por volta de meia noite é muito comum, ninguém aqui almoça por volta do meio dia. Fiquei indignada com um professor de uma aula que começa às 15h30 dizendo que o horário era complicado para uma aula teórica por ser logo depois do almoço. “Como assim almoço? Eu já estava querendo tomar café da tarde”, pensei.

Falando em professor, já vi muitos com relações estreitas com os alunos, mas me surpreendeu ver um professor parar a aula para oferecer um mate e o aluno sentado na última carteira aceitar e esperar que o professor fosse até ele. Aliás, por aqui quase ninguém sai de casa sem sua garrafa de água quente e seu mate, e não faz diferença se está frio ou calor. Essa não distinção do que é alimento para frio e calor já peguei dos argentinos, tomo chá numa tarde de calor e sorvete no frio da madrugada.

Sinto falta de comer feijão com arroz, mas quando voltar para o Brasil vou morrer de saudade das massas, pães e doces argentinos, impossível não se viciar em alfajor. Sinto falta de samba, pagode, sertanejo e de quase tudo que se toca no Brasil, mas agora até que já me acostumei com a cumbia e o regaton. Mesmo porque volta e meia escutamos alguma música brasileira em versão espanhol.

Voltando a falar de faculdade, esses universitários estudam mais do quaisquer outros que eu tenha conhecido. E, como todo estudante de medicina tem seu esqueleto em casa, descobri um novo significado para a expressão “cadáver no armário”. Eles são também os mais envolvidos com a política. Em dois meses aqui vi mais manifestações do que em toda a minha vida no Brasil. Não sei bem dizer se isso é um bom ou mal sinal, levando em consideração os detalhes sobre a história deles que desconheço, prefiro me abster. Mas admiro sua vontade de mudar o que acreditam estar errado.

Fico feliz de saber que não existe nenhum tipo de rixa entre argentinos e brasileiros. Claro que acho saudável deixar o assunto futebol de lado, nada de tentar discutir sobre quem é melhor. Pelo menos os que eu conheci até hoje parecem gostar muito de nós. Mas infelizmente, em alguns momentos, percebo uma visão deturpada em relação às mulheres e as relações interpessoais brasileiras. Sendo mais clara, há, assim como em outros países, pessoas que enxergam na brasileira uma mulher fácil, principalmente tendo em vista a relação delas com seus amigos homens. Há quem pense que somos só festa, bebidas e samba, e que o Brasil se resume a Rio, São Paulo e ao Rio Grande do Sul. Mas estamos trabalhando para desfazer esses enganos.

Foi aqui na Argentina que eu encontrei também uma ótima oportunidade para descobrir mais sobre o meu próprio país. Brasileiros se atraem, se encontram, e diante da frieza inicial dos argentinos acabamos muito unidos, nunca antes eu soube tantas coisas sobre o Ceará e o Nordeste do país como agora que tenho, o que considero, amigos que vieram de lá. É uma ótima oportunidade de falar português, mas não necessariamente nos entendemos, afinal as regiões do Brasil não são exatamente iguais culturalmente falando. Aqui, graças a presença marcante dos colombianos, decidi que quero passar um tempo por lá, e se possível por outros países da América do Sul.

Por fim quero reafirmar minha paixão pela Argentina, e indicar a quem puder que venha conhecer, desde a região Norte até a Patagônia. Fico triste por saber que ainda que agora saiba muito mais sobre esse país do que há alguns meses atrás, ainda desconheço outras tantas coisas, o que no fim pode ser uma excelente oportunidade para rever os amigos que vão ficar e relembrar o que passou.

 

Argentina by Yumi

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