Águas Gerais
Onde existe minério de ferro, existe água. A mineração depende dela. E a vida humana também.
por Mateus Fagundes
A mineração em Minas Gerais está colocando em risco o bem fundamental para a garantia da vida na Terra: a água. O minério de ferro é um bem natural que convive com recursos hídricos. As jazidas de hematita e itabirito, dois tipos de concentração do metal, são como esponjas que retém o líquido. Estima-se que 80% de todas as reservas aquíferas que alimentam a região central do estado estão associadas às formações ferríferas. A extração do metal, porém, prejudica os lençóis freáticos e rios, causando uma reação em cadeia: onde há mineração, os recursos hídricos estão ameaçados.
O Quadrilátero Ferrífero é a maior jazida mineral do Sudeste brasileiro e uma das mais importantes do mundo. Localizado no centro de Minas Gerais, abrange 22% da população do estado em 34 cidades. Por ano, são extraídos nele quase 300 milhões de toneladas de minério de ferro. A atividade não é recente na região. No século 18, aconteceu ali a gênese do território mineiro, com a exploração do ouro. A grande indústria do ferro se instalou nos anos 1940. “A dinâmica depreciativa é de um período mais recente, em 15, 20 anos que a atividade vem apresentando uma evolução para atender à demanda de crescimento da China”, explica o professor de economia da Universidade Federal de Ouro Preto, André Mourthé.
Além da importância econômica, no Quadrilátero Ferrífero se localizam nascentes que vão alimentar duas importantes bacias hidrográficas do Brasil: a do Rio Doce e Rio São Francisco. A primeira está representada pelos rios das Velhas e Paraopeba, e a segunda pelo rio Piracicaba.
Quadrilátero de água
A importância das nascentes localizadas no centro de Minas Gerais para garantia do abastecimento hídrico faz com que ambientalistas passassem a se referir à região de outra forma: de Quadrilátero Ferrífero para Quadrilátero Aquífero. A denominação serve para conscientizar as populações da região sobre o risco das atividades minerárias.
Estudos mostram a relação que os ambientalistas já fizeram. Um deles foi apresentado no XIV Congresso Brasileiro de Águas Subterrâneas, em 2006, pelos geólogos, Décio Beato, André Monsores e Antonio Carlos Bertachini, com o título “Potencial aquífero nos metassedimentos do Quadrilátero Ferrífero”. Nele, os pesquisadores analisam o panorama hidrográfico da região. “As nascentes estão disseminadas por toda a região em consequência da elevada pluviometria e das capacidades de armazenamento dos aquíferos rasos e profundos. São mananciais de importância inquestionável para a preservação de ecossistemas e para o abastecimento de diversas comunidades”, afirmam.
Por isso, a mineração na região tem sido questionada por movimentos sociais. “Quando elas [as mineradoras] tiram o minério e destroem para sempre conjuntos perfeitos, geomorfológicos como a nossa serra, com a destruição desses conjuntos onde estão as cangas, as águas e os aquíferos não têm onde começar de novo”, afirma a ambientalista Maria Teresa Corujo, do Movimento Pelas Serras e Águas de Minas.
Tecnologia de exploração
Quando as primeiras mineradoras começaram a operar no território mineiro, no princípio do século 20, a extração do minério era feita por meio de enxadas, picaretas e pás. As rochas de ferro que afloravam do solo eram facilmente exploradas. A jazida mais superficial se esgotava e as empresas iriam explorar outra frente. E assim por diante. A tecnologia permitiu que as companhias modernizassem seus processos, aproveitando ao máximo as jazidas. Para se ter uma ideia, a quantidade de minério de ferro extraído diariamente no Brasil hoje pela Vale é equivalente a toda a produção da empresa no ano de 1947.
A conta, no entanto, não fecha por aí. As jazidas de alta qualidade – o minério de ferro de mais de 60% de concentração – estão se esgotando. Resta às empresas adotarem processos para aproveitar o minério de 50%, o chamado itabirito. Para manter e acompanhar a demanda pelo mineral no mundo, as cavas das mineradoras se alargam, consumindo mais montanhas. Na prática, quanto menor é a concentração, maior é a exploração.
O Plano Nacional de Mineração – 2030, produzido pelo Ministério das Minas e Energia, explicita a preocupação com o uso da tecnologia apenas para o processo produtivo. “Ao longo da primeira década deste século, o Brasil tem vivenciado um processo que os especialistas chamam de ‘reprimarização’ ou ‘especialização reversa’ de sua pauta de exportações, isto é, com a proeminência de bens primários em detrimento aos bens de média e alta tecnologia.”
As próprias empresas admitem que os processos são cada vez mais devastadores, mas a partir do viés financeiro. “À medida que a mineração avança, (…) os poços ficam mais íngremes e as operações subterrâneas mais profundas. Dessa forma, com o passar do tempo, geralmente enfrentamos aumento dos custos unitários de extração.” A constatação vem do Relatório Anual da Vale, de 2010.
A ambientalista Maria Tereza Corujo acredita que o modelo já está saturado. “Não existem mais tecnologias nem perspectivas [para a utilização do minério de baixo teor]. Está claro que já deu o que tinha que dar, que o que já foi tirado, no meu entendimento, já sobrepôs a sustentabilidade ”, salienta.
Gestão hídrica
O uso da água é fundamental para a operação das mineradoras. Ela é utilizada para tratar o minério de ferro, no transporte da matéria e na pelotização.
A Vale afirma que a captação de água da empresa é feita em operações licenciadas, de acordo com a lei ambiental vigente no país, e que 70% da água é reutilizada em seus processos. Já a Samarco faz a captação da água na região de Mariana, utiliza-a nos processos e no mineroduto que transporta o ferro até Anchieta (ES) e a reaproveita na pelotização. Segundo a empresa, o que não é reutilizado, é encaminhada à Lagoa de Mãe-Bá, próximo à unidade no Espírito Santo.
No entanto, o fato de a captação água ocorrer em território mineiro e o retorno se dar a mais de 400 km preocupa moradores de Mariana, uma vez que a cidade convive com graves problemas hídricos. “A água do nosso subsolo marianense é retirada e levada lá para o Espírito Santo e não há nenhuma contrapartida neste sentido”, afirma a ex-vereadora Aída Anacleto (PT).
Rejeitos
Quanto maior a área explorada de minério de baixo teor, maiores também são os rejeitos provocados. Em 2011, contabilizadas todas as operações da Vale em extração do ferro, foram produzidos 468 milhões de toneladas. São montanhas de sedimentos que “sobram” da exploração. Na Samarco, em Mariana, foram produzidas 15,66 milhões de toneladas no mesmo período.
Misturados à água, as sobras são depositadas em grandes regiões de depressão, que dão origem às bacias de rejeitos. Em seus relatórios anuais de sustentabilidade, as empresas afirmam que há estudos para reutilização desses materiais, uma mistura de minério de ferro de baixa qualidade com outros minerais como o granito.
Para Maria Tereza Corujo, porém, essas barragens somam-se aos problemas causados pela exploração de recursos hídricos. “Eles [as empresas] põem as pilhas de minério nos vales, que é onde correm os recursos hídricos. Inviabilizam a produção de água, inviabilizam outras formas de produzir e gerar renda”, denuncia.
Futuro seco
A Organização das Nações Unidas (ONU) emite há vários anos o alerta sobre a segurança hídrica do mundo. Em 2010, no dia mundial da Água, a instituição declarou: “a água potável limpa, segura e adequada é vital para a sobrevivência de todos os organismos vivos e para o funcionamento dos ecossistemas, comunidades e economias. Mas a qualidade da água em todo o mundo é cada vez mais ameaçada à medida que as populações humanas crescem, atividades agrícolas e industriais se expandem e as mudanças climáticas ameaçam alterar o ciclo hidrológico global.”
Ao colocar em risco o abastecimento de água com seu processo de exploração, as mineradoras comprometem a sustentabilidade das gerações futuras nos locais em que elas estão inseridas. “Se nós seres humanos possuidores de razão estamos colocando em risco a água e temos a cara de pau de jogar rejeito nela, acabar com nascentes sabendo que não vai ter mais, nós estamos indo contra a coisa essencial nossa como elemento vivo que é o instinto de sobrevivência”, sentencia Maria Tereza.
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