Choque cultural e suas acepções

May 9th, 2011Entre Aspas1 Comentário »

No centro de Paris, O Obelisco de Luxor é um monumento egípcio de 3300 anos antes de Cristo, importante ícone de uma civilização antiga é referência do poder da França no mundo. Intercâmbio de culturas.

por Garon Piceli
Depois de 11 horas de voo o que eu mais queria era um banho quente, mas lembrei que estava na França – e que o banho poderia até ser quente, mas deveria ser muito rápido. Como em um flash, me veio a mente: “questão de cultura”. Aqui não preciso mais de um banho quente e demorado para me sentir bem, mas sim de uma tarde degustando queijos e tomando vinhos. Comecei a entender aquele termo que até então povoava os livros.

Em uma rápida busca no Google, “Choque Cultural” é definido como “quando uma pessoa é retirada de um meio cultural a que está acostumada, para viver em um outro país com hábitos, costumes e tradições diferentes”. Já na Wikipédia, o termo remete à ansiedade e sentimentos (de surpresa, desorientação, incerteza, confusão mental etc.) vivenciados quando as pessoas têm de operar dentro de uma cultura ou ambiente social.

Sei que em toda viagem que se faz, seja para o exterior ou mesmo para as regiões do Brasil, se está predisposto a ter algum choque de cultura. Na alimentação, linguagens e comportamento das pessoas, o mais curioso e engraçado mesmo é saber como essa pessoa passou por essas diferenças de costumes, como agiu com essa “confusão mental”.

No primeiro dia na França, meu senso de curiosidade estava aguçado. O de comunicação, porém, nem tanto. Fiquei com os olhos bem abertos, pois queria retirar dali toda informação visual possível. Após percorrer os olhos pelas ruas, não pude deixar de notar os carros estacionados nas calçadas. Coisa inadmissível no Brasil, não é? Pois muito comum na Europa, pela questão de falta de espaço. Motoristas agradecem o estacionamento na calçada e pedestres não reclamam. Estranho para nós – pelo menos foi muito diferente para mim, e para eles aceitável.

Depois de entender um pouco a logística do sol à pico às 15h, fui notar que a principal refeição do dia é o jantar, regado a queijos e vinhos. Acontecimento cheio de rituais. Sentar-se somente depois do anfitrião, brindar olhando nos olhos, esperar o camembert para limpar as cordas vocais e degustar o roquefort para abrir as papilas gustativas para junto com o vinho encerrar os pratos salgados e depois harmonizar com a glacée (sorvete do petit gateau). Depois de horas conversando sobre o dia, aleatoriedades, mas principalmente sobre a comida, encerrada a refeição – tudo uma delícia.

A caminho de Versailles, fiquei imaginando o rosto da glória de Luiz XIV se confundindo com o rosto da vergonha da pequena criança agredida dentro do ônibus

Se para os brasileiros o café da manhã ou o almoço é a principal refeição do dia, os franceses fazem do jantar mais que um evento gastronômico, um evento social.

Acompanhado de amigos que estão morando na França há mais de 10 anos, fomos ao palácio de Versailles, o maior do mundo. No caminho que presenciamos um momento bem desagradável: uma mãe sem saber como lidar com o filho, dá um tapa no rosto da criança. Coisa que eu nunca vi no Brasil, no rosto! Injuriados, refletimos porque a mãe não deu um tapa no bumbum, no rosto é tão degradante e falta de respeito. Minha anfitriã me revelou que já havia passado por uma situação parecida e teve uma resposta inusitada da mãe que batia na criança. “Existe coisa mais íntima que o bumbum?! No rosto todo mundo vê a marca do vermelho, causa vergonha, o bumbum não”. Pausa para reflexão.

Esses e tantos outros exemplos que eu poderia citar aqui só me fez pensar como somos diferentes, mas ainda precisamos conviver melhor com as “anormalidades” que às vezes só diferem do ponto de vista de quem está observando ou da cultura em que a pessoa está submetida.

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1 Comentário

  1. Sula says:

    Eu escrevi um monte, aqui, e a energia caiu, fiquei sem net e perdi td. Vou tentar reproduzir o que eu havia escrito: Gostei muito de seu texto! Esquecemos de discutir sobre as diferenças culturais hehe Quanto à “pausa para reflexão” é pertinente que ressaltemos a idéia de que “não se toca em uma parte intima alheia, bater, então, seria uma afronta ainda maior”.
    A importância da janta é porque, aqui, ninguém almoça em casa e quando isso acontece, é muito corrido, o jantar é o momento da familia partilhar o dia. Nos ultimos tempos, passei da definição (choque cultural) da Google para a da Wikipédia: quando se tem que viver, vivenciar, integrar a cultura do outro os termos “surpresa, desorientação, incerteza, confusão mental” são perfeitos.
    De vez em quando há uma crise identitária. Ontem, alguém me disse, para me confortar: “quando somos estrangeiros, voltamos a ser bebês e temos que re-aprender tudo”. Refleti: aprender a diferença, a fazer diferente e a fazer a diferença. A “Diferença” do Estrangeiro, que uma vez estrangeiro, estrangeiro para sempre, até, mesmo, em seu próprio pais…