O teatro de um mágico

April 8th, 2011Destaque Entre AspasNenhum comentário »

por Mickael Barbieri e Simião Castro
Essa entrevista, a primeira pensada para a Revista Dois Pontos, foi realizada já há alguns meses. Nunca foi, porém, tão atual. Nela, conversamos com um dos grandes ícones do movimento pela música livre no país, incentivador da prática da disponibilização de material fonográfico para download pelos próprios músicos.

Como ele mesmo se define em seu Twitter: o músico, compositor, idealizador do projeto “O Teatro Mágico” e filho do Seu Odácio e da Dona Delmina, Fernando Anitelli, falou conosco sobre passado, presente e futuro d’O Teatro Mágico, direitos autorais e a relação com a música independente. Um homem que faz de sua vida um teatro pessoal de reinvenção, de luta diária pela arte. Um mágico do cotidiano.

: Como, exatamente, um trecho do livro “O Lobo e a Estepe”, de Hermann Hesse, lhe inspirou a criar o projeto O Teatro Mágico?
Na verdade, o que me inspirou a fazer o projeto O Teatro Mágico, foi a minha convivência com os saraus. Com a possibilidade de perceber que vários timbres, várias expressões artísticas, poderiam dialogar no mesmo plano, no mesmo palco, ao mesmo tempo.

A passagem do livro o Lobo da Estepe, em que o personagem se depara com uma placa escrita “Teatro Mágico, entrada para raros”, foi que me inspirou a dar o nome ao projeto. Quando ele entra nesse ‘teatro mágico’, descobre a própria pluralidade dele. Isso eu achei uma coisa fantástica, porque é isso que a gente busca: ser plural. Não só fazer música, mas, teatro, circo, poesia. Debater, politizar a relação. Foi dentro desse espírito que a gente montou O Teatro Mágico.

: Depois de seis anos de trabalho, mesmo sem tocar em rádios e TV’s e com o movimento de música livre, O Teatro Mágico se destacou nos principais veículos de comunicação, na internet e vendeu cerca de 200 mil CD’s. A que você atribui esse sucesso? O Youtube teve importância nesse processo?
Não somente o Youtube, mas também todas as outras ferramentas sociais na internet: Orkut, Fotolog, Blog… O poder que a internet tem de colocar você frente a frente com o público, de uma maneira clara e explícita, transparente, é fundamental. A revolução não será televisionada, mas alguém vai colocar no Youtube.

Cara, não existe uma fórmula para o sucesso. Na verdade, acho que é a simplicidade. É a vontade de todo mundo poder somar e mostrar o seu trabalho. Conversar com o público… É fazer as coisas com verdade. Se você é honesto, verdadeiro com a sua obra, e com o seu público, naturalmente os resultados começam a surgir.

: Quando você ainda fazia parte do Madalena 19 já pensava em trabalhar com música livre?
Eu pensei depois que tentei entrar numa gravadora com o Madalena 19 e, quando a gente já estava gravando a oitava ou nona música, a gravadora mandou regravar tudo em formato de forró, ska. Falamos que não íamos fazer, eles disserem que tinha que fazer, falamos que não. Aí engavetaram a gente.

Então a gente falou: “Meu, não quero estar numa gravadora onde os caras não estão cuidando da gente. A gente tem que fazer contrato é com o público.” A partir daí meu pai jogou todas as músicas na internet, a gente passou a ter uma relação sempre direta com o público, deixando todo o conteúdo disponível e conversando com a galera toda.

: O Teatro Mágico já recebeu convites de gravadoras multinacionais interessadas na compra do projeto e todos os convites foram recusados. Você vê a possibilidade de alguma gravadora se adequar à proposta de música livre?
Sim. Eu acho que o caminho das gravadoras é esse agora. Elas têm que entender isso. Se as gravadoras se adequarem a isso, não tem porque a gente não projetar alguma coisa com elas. A gente não é contra a TV, contra o rádio, não! A gente é contra o mau uso da TV, a falta de oportunidade, a falta de democracia. Contra o que as gravadoras pregam como essencial pro músico.

Se a gravadora mudar a questão da distribuição, do preço, a questão de deixar livres os conteúdos, a gente pode conversar… A questão é saber dialogar e construir as coisas de maneira comum.

: Mas como ficam os direitos autorais com a distribuição gratuita das músicas pela internet?
Os direitos autorais existem, são meus. O autor só ganha quando a música é executada publicamente numa rádio, numa TV… Só que pra tocar numa rádio, na TV, você tem que pagar Jabá. Então, compositores comuns nunca vão receber pelo direito autoral com a música dele. Enquanto ele mesmo toca, não vai pagar pra si mesmo tocar. E a música não vai entrar nunca no rádio ou na TV, porque tem que pagar jabá. O direito autoral permanece, continua.

A internet faz com que a gente possa existir finalmente. A música livre não quer dizer que você está perdendo os seus direitos. Muito pelo contrário. Está dizendo que você é o dono daquela música e você pode licenciar através do Creative Commons, à sua maneira. Podendo remixar, copiar, fazer o que for. Mas não é mais uma gravadora que é dona da sua música. Você é o autor, o direito autoral é seu, você é o dono. Você faz o que você bem entender de qualquer material.

: O Teatro Mágico já teve, ou pensou em realizar, algum trabalho junto à leis de incentivo cultural?
Sim, a gente já utilizou (as leis). Através da lei Rouanet o banco Itaú (por meio do Itaú Cultural) gravou junto com a gente o segundo DVD d’O Teatro Mágico. O Segundo Ato. (Lançado em Julho de 2010)

: Quais eram as suas expectativas para O Teatro Mágico no começo do projeto? E agora?
As expectativas eram de que ele tivesse força pra ter sobrevida. A idéia é de que ele pudesse ser realizado dentro das comunidades, de alguns teatros menores. Conforme a gente foi formatando (o projeto) de uma maneira mais madura, ele foi crescendo, crescendo, e cada vez mais a gente (foi) buscando centros culturais, prefeituras, faculdades, universidades… Esses espaços que dão oportunidades pra projetos autorais. Conseguimos e foi o que nos fez chegar até aqui.

(Mas ainda) tem muita coisa pra alcançar. Se a gente não ficar incomodado alguma coisa tá errada. Quando tudo está certo é porque alguma coisa está errada. Então a gente tem que, na verdade, continuar com carinho, com foco, com responsabilidade. O projeto tem que caminhar muito ainda. Tem muita gente que ainda não conhece. A gente pode ser um pouco conhecido na internet, mas tem um mundão aí que não conhece ainda. Tem muita música pra fazer, muitos outros projetos pra encaminhar. Tem um projeto infantil que eu quero fazer também. O Madalena 19 está voltando, uma pegada mais eletrônica e rock. Tem o (Fernando Anitelli) Trio… Um caminho gigante aí pra percorrer.

: Como é este projeto do Fernando Anitelli Trio?
É um projeto que tem algumas canções mais introspectivas que eram de um CD meu, voz e violão, que alguns anos atrás meu pai tinha soltado na internet. Muitas pessoas encontram, hoje, essas músicas na internet, e acham que é O Teatro Mágico acústico. Na verdade, é o Fernando Anitelli Trio. Eu estou muito feliz. É um momento mais jazz, são canções mais reflexivas. Estou achando muito legal porque é uma possibilidade de trabalhar uma outra estética no show, na música, nos arranjos. Estou empolgado.

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