De Minas para o mundo
Recordes, polêmica e contradições marcam
trajetória da maior mineradora do país
por Mateus Fagundes e Simião Castro
A maior mineradora das Américas e a segunda maior do mundo. Líder em logística no mercado brasileiro e em produção mundial de minério de ferro. Talvez Getúlio Vargas, considerado um homem visionário, nem vislumbrasse a posição que a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), criada por seu governo em 1942, alcançaria sete décadas mais tarde. Poucos foram os políticos que tiveram a capacidade de enxergar tão longe as possibilidades do Brasil no cenário internacional. Hoje, a Vale é a empresa que mais exporta no país.
Desde o seu processo de formação, constituição, consolidação e privatização, a empresa foi por vezes o alvo e outras o atirador em inúmeras disputas, tanto internas quanto externas. Uma trajetória igualmente espetacular e contraditória.
Vargas criou a CVRD em 1º de junho de 1942. Os acordos de Washington encerraram um impasse diplomático que envolvia empresários norte-americanos e ingleses. Os novos contratos previam a participação das três nações na decisão de rumos da empresa.
Nos primeiros anos, ainda durante a Segunda Guerra, a empresa enfrentou tempos difíceis. As contas não fechavam, os projetos ficaram mais caros do que se previa e a extração de ferro no Pico do Cauê, em Itabira (MG), era menor do que se esperava. O término do conflito mundial, sobretudo, estancou a demanda por minério no mundo. A empresa lidava ainda com uma diretoria híbrida entre brasileiros e norte-americanos.
Foi somente na década de 1950, com a saída dos estrangeiros do projeto e estatização completa da empresa, que a CVRD começou a dar dividendos. Cresceu a demanda por ferro na Europa, que estava em reconstrução. O cenário de conflitos mundiais mantém-se ativo, com a Guerra da Coreia, a política da Guerra Fria, o início da corrida espacial e o investimento militar crescente de diversos países. A mineradora agia com posição independente neste cenário, atendendo tanto países do bloco ocidental como do bloco soviético.
Os sucessivos superávits que a companhia alcançaria nos anos seguintes foram possíveis também com a modernização de seu modo de produção – um complexo que envolvia mina-ferrovia-porto. Um dos profissionais que mais contribuiu para a adequação do sistema foi o engenheiro mineiro Eliezer Batista.
Nos trillhos do crescimento
A visão de logística que caracteriza Eliezer Batista como um dos líderes empresariais de destaque no mundo talvez tenha surgido quando ele era menino. Nascido no ano de 1924, em Nova Era, região central de Minas Gerais, ele cresceu às margens do Rio Doce. As águas eram o único elemento de ligação local com outras cidades. Por meio delas é que o comércio e o transporte eram feitos. E a vida também seguia.
Saiu de casa para estudar engenharia no Paraná. Voltou para Minas em 1949, para trabalhar como engenheiro ferroviário da Estrada de Ferro Vitória a Minas (EFVM). Sua missão era readequar e ampliar os trilhos da ferrovia, essencial para as operações da Vale.
Foi nesta posição que ele identificou que o principal entrave da companhia era a logística. Mesmo possuindo uma das maiores reservas de ferro no mundo e uma ferrovia que estava sendo modernizada, a empresa não era expressiva no mercado internacional. Estava saneada administrativamente e dava lucro, mas o mineiro enxergava mais longe.
O porto
O gargalo da Vale era o escoamento do minério. Um porto como o de Vitória com baixa capacidade de exportação encarecia o metal, que perdia concorrência para Canadá e Austrália. Eliezer, que já alcançava quadros mais gerenciais na empresa, entendia que era essencial a construção de um novo porto, mais moderno e com mais capacidade de armazenamento e embarque.
Em 1961, o engenheiro foi nomeado por Jânio Quadros como presidente da Companhia Vale do Rio Doce. Eliezer pôs assim em prática uma nova conduta comercial da empresa. Seria dada preferência para atender contratos de venda a longo prazo, e não mais anuais, como era a prática. Com essa postura, a CVRD assinou acordos de venda de minério para Itália, Alemanha e, principalmente, Japão. Os recursos e as parcerias internacionais tornaram possíveis a construção de um novo porto, o de Tubarão. Também foram ampliados os ramais ferroviários em Minas, fazendo com que a EFVM chegasse às jazidas do entorno do Rio Piracicaba, especialmente na cidade de Nova Era, e da região dos Inconfidentes.
Em 1964, com o Golpe Militar, Eliezer Batista foi demitido da Vale. Seus projetos, porém, tiveram continuidade. A política adotada desde o governo de Juscelino Kubitschek com relação a CVRD assegurava certa autonomia administrativa para a empresa, mantendo projetos e funcionários.
Em 1966, o Porto de Tubarão foi inaugurado. A modernização do sistema prevista por Eliezer Batista estava concluída. A Vale alcança então a posição de uma das maiores companhias mineradoras do mundo.
Diversificar para crescer mais
A Vale entrou os anos 1970 com mais força ainda que na década anterior. A empresa firmava cada vez mais contratos no exterior, ampliando o leque de mercado. Alemanha Ocidental, Estados Unidos, Inglaterra, Bélgica, Romênia, Polônia, Alemanha Oriental, entre outros, estabeleciam contratos de longa duração. O maior parceiro comercial era o Japão, que naquela década importaria quase 3 milhões de toneladas de minério de ferro.
Em 1975, mesmo diante da crise mundial do petróleo a empresa se firmou como a maior exportadora de minério de ferro do mundo, responsável por 16% do comércio transoceânico do produto. No ano seguinte, a empresa registrou faturamento de 717 milhões de dólares, tornando-se a maior geradora de divisas para o país.
Contudo, a crise mundial preocupava os líderes da empresa. Os países asiáticos emergentes eram o novo foco da Companhia, que firmou contratos com Iraque, Qatar, Indonésia, Filipinas e Coreia do Sul. Novos acordos com o Japão foram celebrados.
O cenário instável fez com que a Vale ampliasse a gama de atuação. Foram criados projetos de produção de bauxita, alumínio, manganês, fertilizantes, celulose e pelotas de ferro por meio de parcerias com grupos privados nacionais e internacionais.
De volta à casa
A convite do presidente da República recém-empossado, General João Batista Figueiredo, Eliezer Batista retornou ao comando da Vale, em 1979. Nesta segunda gestão, o engenheiro comandou uma nova modernização no sistema em Minas Gerais e no Espírito Santo e alargou o seu raio de atuação para o norte do país.
Desde o final da década de 1960 a CVRD já pesquisava os metais da região de Carajás, no Pará. Após parcerias com empresas estrangeiras, o governo brasileiro se empenhou sozinho no projeto. As jazidas de minério de ferro paraenses foram estimadas em 18 bilhões de toneladas.
Um novo complexo mina-ferrovia-porto foi construído, sendo feito o escoamento via terminal ferroviário Ponta da Madeira, no Maranhão. Em 1986, o sistema Carajás foi concluído e a extração teve início. No mesmo ano, Eliezer Batista se licencia da presidência da Vale.
Em quatro anos, o novo complexo aumentou em 40% as exportações de minério de ferro da Vale: saltou de 44,6 milhões de toneladas em 1986 para 62,2 milhões em 1989.
Polêmica privatização
A CVRD entrou na década de 1990 amargando os efeitos da crise que assolava o Brasil. A alta inflação aliada à desconfiança de investidores internacionais prejudicava os negócios da empresa. Soma-se a isso a efetivação do Programa Nacional de Desestatização, lançado dentro do Plano Collor em 1990.
Inspirada no modelo neoliberal que a Inglaterra adotou nos anos 1980, que pregava a mínima intervenção do estado na economia, a lei previa uma progressiva privatização das empresas estatais como forma de captar recursos para o Estado sanar a dívida pública.
A instabilidade política do início dos anos 1990 empurrou a privatização da Vale por alguns anos. Em 1997 o governo FHC concluiu a venda da Companhia Vale do Rio Doce para o capital privado. O consórcio Brasil, liderado por Benjamin Steinbruch, adquiriu a empresa por US$ 3,3 bilhões. Um valor abaixo do mercado, pois na avaliação do preço da empresa foi levado em conta apenas o fluxo de caixa, sendo que o valor potencial das reservas de minério não foram incluídos no preço final. Novamente a companhia se envolvia em uma polêmica. Só até 2007, mais de cem ações populares na Justiça questionam a venda da Vale.
O negócio foi considerado irregular, pois o empresário já controlava a Companhia Siderúrgica Nacional. As ações foram, então, repassadas ao banco brasileiro Bradesco, que indicou o primeiro presidente, o economista Roger Agnelli. Em 2011, ele foi substituído pelo administrador e ex-presidente da empresa no Canadá, Murilo Ferreira.
Atualmente o controle acionário da Vale se divide da seguinte forma: 21,21% do Bradesco, 18,54% do grupo japonês Mitsui, 11,51% do BNDES, 49% LITEL, que reúne os fundos de pensão Previ, Funcef, Petros e Fundação CESP. Apesar de privatizada, a empresa ainda mantém estreita relação com o governo Federal, seja por meio do BNDES ou dos fundos de pensão do funcionalismo.
Brasileira, gigante mundial
Privatizada, a empresa pode ampliar o leque de investimentos e parcerias internacionais. A Vale opera nas áreas de mineração, logística, energia e siderurgia em 38 países, de todos os continentes. São quase 80 mil funcionários diretos e 108 mil terceirizados em todo o mundo. Em 2000, comprou metade das ações da mineradora Samarco, que atua em Mariana (MG) e Anchieta (ES). Em 2006, a CVRD adquiriu a mineradora canadense INCO, tornando-se a segunda maior mineradora do mundo. Em 2007, a empresa passa a adotar o nome simplificado, Vale.
O valor de mercado da Vale disparou no período. Em 15 anos, saltou de US$ 3,3 bilhões (preço da venda) para US$ 93 bilhões, um aumento de 2700%. O lucro da empresa também impressiona: saltou de US$ 500 milhões em 1996, último ano em que era estatal, para US$ 37,8 bilhões em 2011, um aumento de 7460%.
Em 2011, um US$ 1,5 bilhão foi investido em projetos sociais e ambientais e a empresa foi considerada a melhor mineradora em gestão climática.
Contradições e vergonha
Ao mesmo tempo que os balanços econômicos impressionam, outros, não-oficiais, emcabulam a direção da empresa. Em 2012, a Articulação Internacional dos Atingidos pela Vale organizou um documento que revela as atividades da empresa geraram 726 milhões toneladas de resíduos e que a emissão de poluentes foram de 519 mil toneladas. A companhia ainda se envolve em conflitos ambientais e sociais na maioria dos países que mantém operações.
No ano passado, a mineradora recebeu ainda o “Oscar da Vergonha”, premiação internacional organizada pelas ONGs GreenPeace e Declaração de Berna. Segundo o relatório, a empresa tem um histórico de atuação violenta contra o meio ambiente e as comunidades.
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