De sertões proibidos a vale do aço

February 1st, 2013Trilha do minérioNenhum comentário »

Massacre de índios e exploração dos recursos naturais marcam história da região.

por Mateus Fagundes e Simião Castro
Minas também tem sertão. E teve muitos até o século 19. Não se podia abrir trilhas na mata, nem explorar economicamente a região. As razões eram geográficas, humanas e políticas.

A princípio, a dificuldade em avançar pela Mata Atlântica fechada inibia o avanço de tropeiros sertão adentro. A região era habitada por índios considerados bravios e violentos, conhecidos como Botocudos. Além disso, o governo metropolitano proibira o trânsito de homens sem trabalho fixo nessas regiões, como forma de evitar o desvio do ouro extraído nas minas – especialmente aquelas localizadas na região de Vila Rica (atual Ouro Preto).

“A comarca do Rio das Mortes, a comarca de Vila Rica e a comarca do Serro Frio, as três principais comarcas [na época] é que concentravam a maior densidade demográfica”, conta o historiador e professor do Centro Universitário do Leste de Minas Gerais (Unileste), Lúcio Mendes Braga, que mora em Ipatinga. As terras localizadas entre essas regiões e o entorno da capitania do Espírito Santo eram consideradas sertões proibidos.

Botocudos em marcha, Debret, 1834

Índios Botocudos eram vistos como ameaça ao desenvolvimento o sertão mineiro (Imagem: Botocudos em marcha, Debret, 1834)

Morte e progresso
Com a vinda da família real para o Brasil, em 1808, outra proposta de colonização se inicia. “Eles têm que ter uma outra alternativa econômica. E essa alternativa econômica seria justamente expandir para o sertão do Rio Doce. Só que aqui ainda era povoado por índios, então a Coroa decreta guerra aos índios Botocudos, isso significa que era permitido exterminar os índios”, explica Lúcio. Segundo o historiador, a colonização dos sertões mineiros já era um projeto gestado na corte, pelo Conde de Linhares, ministro português. “Ele mesmo foi o responsável por este projeto no Rio Doce.”

Com isso, inicia-se um verdadeiro massacre Botocudo, denominação atribuída às diversas etnias de índios da região. “Essa caçada brutal aos Botocudo durou duas décadas. Nesse período, chamava-se de ‘Botocudo’ todo ajuntamento de índios, principalmente os apanhados nas matas do Rio Doce, ou até o Espírito Santo”, relata o líder da comunidade Krenak, em Minas Gerais, Ailton Krenak, em entrevista concedida ao jornalista Marco Antônio Tavares Coelho, no ano de 2008.

Marlière, designado para promover a ocupação do território botocudo

Muitas – e diferentes – eram as etnias indígenas que viviam naquele lugar. Uma semelhança, no entanto, foi suficiente para os brancos apelidarem os povos todos. Uma espécie de botoque que os nativos usavam no lábio. Para o colonizador, eram todos botocudos.

Guido Tomas Marlière foi o responsável por executar o plano de ocupação da região. Ele instala divisões militares no Rio Doce que se encarregam de exterminar os índios na região, afirma Lúcio. O historiador contesta a versão de que Marlière era um grande civilizador. “A ideia de civilização era justamente eliminar os índios. Ou seja: a gente não pode ter indígena porque o progresso tem que chegar, a civilização tem que chegar”.
Atraídas pelo “falso fausto” – a ideia de que todo o território de Minas tinha ouro e pedras preciosas em abundância –, muitas pessoas aventuraram-se a povoar aqueles que, antes, eram os sertões proibidos mineiros. Uma vez que a maior parte dos índios já estava dizimada, e os colonos dissuadidos do anseio de encontrar ouro na região, grandes fazendas se estabelecem ali. Para Lúcio, tem início um ciclo de colonização agrícola.

Pico do Cauê
Embora localizado a pouco mais de 100 km do Vale do Aço, o Pico do Cauê, em Itabira, exerceu grande importância para o desenvolvimento da região. A descoberta de minério de ferro de alta qualidade na montanha alterou o trajeto inicial da construção da Estrada de Ferro Vitória a Minas (EFVM), em 1909. O traçado que originalmente levaria os trilhos até Diamantina foi modificado, seguindo, na esteira do Vale do Rio Doce, até Itabira. Assim, o escoamento da produção de minério de ferro estaria garantido.

Os pequenos povoados de agricultores e carvoeiros passam, neste período, por um processo de transformação. A chegada dos ramais ferroviários mudam a vida das populações no entorno.

É nesse contexto que Ipatinga deixa de ser apenas um povoado agrícola e começa a tomar formas de cidade, explica Lúcio. A soma desses fatores e a expansão do capitalismo mundial, com instalação de siderúrgicas multinacionais, resultaram na fundação de “vilas de carvoeiros”. “É o que o povoado de Ipatinga era”, afirma ele. Uma vila de carvoeiros para produzir o carvão necessário aos altos fornos das siderúrgicas. Ideia reforçada pelo jornalista e documentarista, Sávio Tarso. “Sem a estrada (de ferro), Timóteo, Ipatinga, (Coronel) Fabriciano, Acesita, não existiriam. Elas nascem à beira da estrada”, exemplifica.

“Historicamente falando, a estrada é a nossa célula mãe. É a espinha dorsal”, continua Sávio. “Mas estamos inseridos em um contexto mundial da primeira onda do Capitalismo, [em que se] usava muito aço. Precisava de carvão.” E o carvão Ipatinga já tinha. Os governos de Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek viabilizam, então, a criação das Usinas Siderúrgicas de Minas Gerais (Usiminas), em meados da década de 1950.

Operário morto no Massacre (Reprodução: Capa Não foi por acaso)

Operário morto no Massacre (Reprodução: Capa Não foi por acaso)

O segundo massacre
Em 1963, a Usiminas dispunha de cerca de seis mil funcionários. Entretanto, quando consideradas as empreiteiras contratadas por fora, o número de operários saltava para 24 mil, conforme dados colhidos por José Augusto de Moraes, no livro “Ipatinga – Cidade Jardim”.

Na noite do dia seis de outubro daquele ano, as más condições de trabalho, alimentação e moradia levariam a um motim. Na manhã do dia sete, cerca de cinco mil funcionários entraram em embate direto contra os 150 homens do Corpo de Vigilantes da empresa – fortemente armados e comandados por militares da reserva -, e o Grupamento de Cavalaria da Polícia Militar de Minas Gerais. O resultado foi sete operários mortos e 78 pessoas feridas.

Lúcio Mendes Braga, no entanto, não caracteriza o acontecimento como massacre. “A palavra ‘massacre’, para mim, é um pouco de exagero. [Houve] despreparo tanto da vigilância da usina, quanto [da empresa] para esse tipo de conflito.” Ele argumenta que, para se falar em massacre, é preciso abordar sequências de morte premeditadas e sistemáticas, como os índios Botocudo ou a população rural, em conflitos por terra na região do rio Doce. “Tinha coronéis lá que matavam dezenas de pessoas, colocavam naqueles caminhões caçamba e jogavam os corpos nas cachoeiras”, conta.

Em 1964 o Golpe Militar coloca o país sob poder das forças armadas. As rígidas medidas econômicas adotadas pelo governo de Castelo Branco preparam o país para o “Milagre Econômico” da década seguinte. Com isso, o pesado investimento na indústria brasileira joga por terra o ciclo agropastoril iniciado após o massacre dos Botocudo. Para Lúcio, a “cidade se desenvolveria a despeito da Usiminas”, mas não foi o que aconteceu. Os objetivos governamentais estimularam ainda mais a expansão industrial e o crescimento da Usiminas, e Ipatinga cresceu ao redor dela.

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