Minerar é preciso?

January 20th, 2013Trilha do minério1 Comentário »
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A mineração passa e deixa buracos. Na foto, a mina de Germano, da Samarco, em Mariana (MG). (FOTO: Simião Castro)

por Mateus Fagundes e Simião Castro

“Minério dá uma safra só”, já alertava o ex-presidente da República Arthur Bernardes há mais de cem anos. As montanhas de Minas Gerais estão sumindo para sustentar um padrão de consumo desenfreado. As mineradoras expandem cada vez mais as suas atividades pelo território mineiro e o custo para manter esse modelo só sobe. Um estilo de vida que exige sempre mais exploração de recursos naturais e cria o “subdesenvolvimento do desenvolvimento” em municípios sustentados pelo minério extraído de suas terras por uma contrapartida financeira que tende a cessar em breve.

O que sobra são impactos ambientais, prejuízos sociais e problemas urbanos que se amontoam às pilhas de minério de ferro extraídas. E põe em risco um bem natural fundamental à vida: a água. A expansão dos locais de exploração devasta área verde, compromete nascentes e usa água em escala crescente, em disputa com as necessidades dos municípios em que a mineração se instala.

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Riqueza perecível
Minas Gerais e mineração se confundem desde sempre. Primeiro foram o ouro e as pedras preciosas. No século 20, a mineração do ferro cresceu em volume e importância até se tornar o núcleo de uma cadeia produtiva que movimenta cerca de 35% do Produto Interno Bruto do estado, conforme estimativas da economista e pesquisadora do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional de Minas Gerais, Fabiana Borges.

Enquanto cresce em importância e produtividade, esta atividade econômica – sempre vinculada ao “desenvolvimento” e “progresso” das nações e cidades – expande sua área de exploração e vai consumindo as montanhas que sempre marcaram a paisagem mineira. A justificativa é o papel do minério na vida das pessoas: presente desde o mais prosaico e ínfimo aspecto da vida individual até as atividades mais gerais da sociedade – de um alicate de unha às turbinas de Itaipu, de um alfinete à mais avançada tecnologia de smartphones.

O elemento se tornou fundamental para o desenvolvimento das atividades do ser humano no planeta. Há seis milênios, egípicios, europeus e sumérios já o utilizavam em armas, ferramentas e joias. Sua manipulação era tão importante que até emprestou para um período da história o seu nome: a Idade do Ferro. A realidade dos municípios mineradores do Quadrilátero Ferrífero, em Minas Gerais, leva a imaginar que eles vivem em uma nova idade do ferro.

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Uma nova Idade do Ferro?
Nesta era de exploração, o minério de ferro é o principal produto exportado por Minas Gerais. Em 2011, ele representou 45% de tudo que foi vendido pelo estado ao exterior, um total de US$ 18,8 bilhões. Ao todo, foram 275 milhões de toneladas que tiveram a China como principal destino. É previsto ainda para os próximos anos um investimento de R$ 25 bilhões para o setor de minério de ferro, a maior concentração de recursos na história de Minas.

A extração do minério da terra demanda muita tecnologia – com a adoção de sofisticados processos de produção e diminuição de gastos – e recursos humanos – tanto da mão de obra exigida, quanto na preservação de vida das pessoas nos locais onde se instala. Ao remover as montanhas, a realidade dos municípios mineradores também é afetada. Se por um lado a atividade traz retornos econômicos, por outro ela causa danos ambientais, impactos sociais e urbanos.

Até a exportação, o minério de ferro faz um longo caminho. Pela Estrada de Ferro Vitória a Minas (EFVM), ele passa pela região do Vale do Rio Doce, em Minas Gerais e no Espírito Santo, alcançando o porto de Tubarão, em Vitória (ES). Há também o escoamento por minerodutos, como o que liga Mariana (MG) a Anchieta (ES). Por onde passa, o metal transforma realidades.

A dimensão social da mineração
É inegável a necessidade dos minerais em nossa vida, especialmente o ferro. Porém, também é indiscutível que nós mineiros temos uma relação íntima com a exploração desses recursos. Faz parte, em alguma medida, da nossa forma de ver o mundo, de enxergar o presente, o passado e o futuro.

Após o esgotamento das minas de ouro na região de Mariana e Ouro Preto, a Coroa Portuguesa e seus representantes ainda buscavam um novo eldorado nas matas do estado. Foi o que em parte contribuiu para colonização do Vale do Rio Doce. “Eles [os portugueses] ainda buscavam ouro. Eles tinham a ideia do falso fausto, que Minas como um todo tinha muito ouro, muita coisa a ser descoberta”, conta o historiador e professor do Centro Universitário do Leste de Minas, Lúcio Mendes Braga.

Nos dias atuais, em que se sabe que o ouro não reluz tanto quanto outrora, é o minério de ferro que vem dar essa nova dimensão de eldorado. Aos cofres públicos, a atividade minerária paga a Compensação Financeira pela Exploração Mineral (Cfem), uma taxa ambicionada por pequenos municípios que não têm outra atividade econômica relevante.“Talvez a Cfem venha criar o que hoje eu chamo de subdesenvolvimento do desenvolvimento, porque, na verdade, cria uma dependência daquele município em cima da mineradora e, quando ela vai embora, ela joga esse município numa crise”, alerta Fabiana Borges.

O modelo de desenvolvimento baseado na atividade minerária cria mais problemas do que soluções para os municípios. “Se houvesse um planejamento do estado de longo prazo, se alternativas produtivas fossem criadas, talvez eles não precisassem nem recorrer [à mineração]”, argumenta a economista.

“Mineração de ouro por lavagem perto do morro do Itacolomi”, por Johann Moritz Rugendas (entre 1820 e 1825)

As Minas Gerais
A mineração não faz parte só da história de Minas Gerais, de seu passado: ela constitui o presente e projeta o futuro do Estado. No fim do século XVII, à beira do Ribeirão do Carmo as primeiras pepitas de ouro foram descobertas. Os cem anos seguintes foram marcados pelo crescimento populacional e desenvolvimento econômico nesta região, mas também pela cobiça, ira e revoltas. Nasce aqui, portanto, um território fortemente marcado pelo sentimento minerador. Sentimento este que pertence até hoje aos mineiros.

No mesmo século XVIII, também o brilho dos diamantes cegavam os olhos da Coroa Portuguesa. No Arraial do Tijuco – atual Diamantina – instituiu-se uma exploração que atraía igualmente grandes contingentes populacionais. Igualmente fonte de revoltas.

Após a decadência das Minas, causada pela saturação do modelo exploratório e alta taxação pela corte de Portugal, poucos empreendimentos minerários vingaram no Estado. No entanto, foi na virada do século 19 para o 20 que a situação mudou. Descobriu-se que na região de Itabira, centro do Estado, havia uma grande jazida de minério de ferro de alto teor de qualidade. Novamente os olhos das grandes potências mundiais voltaram-se para Minas. O minério era, à época, fundamental para a expansão imperialista.

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As montanhas
Da descoberta do Pico do Cauê, que concentrava grande parte do minério de ferro de boa qualidade em Itabira, até a início da atividade exploratória passaram-se quase quatro décadas. A região foi alvo da disputa entre empresários ingleses e norte-americanos e políticos nacionalistas brasileros. Somente em 1942 foi constituída a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), empresa estatal de mineração que pôs fim ao imbróglio diplomático.

O modelo itabirano de exploração do minério de ferro estendeu-se por outras partes do território mineiro, igualmente ricas com o valioso metal que, na Mesopotâmia antiga, valia mais até do que o ouro.

Estabeleceu-se sob a bandeira da CVRD e de outras empresas privadas – como a MBR e a Samarco – grandes polos mineradores nos quatro cantos do Quadrilátero Ferrífero. Cidades como Mariana, Ouro Preto, Itabirito, Congonhas, Nova Lima, São Gonçalo do Rio Abaixo, Sabará, Barão de Cocais, Brumadinho, Caeté, entre outras receberam e recebem grandes investimentos dessas empresas.

E em todos os cantos, o cenário é mais ou menos o mesmo: minas a céu aberto com grandes usinas de beneficiamento; trens ou minerodutos para levar cada pedacinho de terra do nosso território para o exterior.

O trem de ferro
A cadeia produtiva da mineração envolve outros setores da economia. Além de demandarem continuamente o estímulo de serviços públicos e comércio nas cidades em que as mineradoras estão inseridas, a atividade mantém forte vínculo com a indústria do aço e da metalurgia.

No estado de Minas, o principal polo dessa indústria é o Vale do Aço, que engloba os municípios de Ipatinga, Coronel Fabriciano e Timóteo. O desenvolvimento da atividade na região se deve ao fato de que os trilhos da Estrada de Ferro Vitória-Minas cortam os municípios. A EFVM foi criada para levar o minério de ferro destinado à exportação de Itabira até o porto de Tubarão (ES). Assim como boa parte do Vale do Rio Doce, as cidades do Vale do Aço compartilham sua história com o trem e com a mineração.

O trem, que leva ferro nos vagões e no nome, leva gente também. Mineiros que vão conhecer o mar, capixabas que vêm visitar nossas montanhas. A EFVM é a única linha ferroviária que restou no transporte diário de passageiros no Brasil.

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O porto de Tubarão em Vitória (ES). Dali, o minério parte para a China. (FOTO: Simião Castro)

Os portos
Os pontos finais de nossa viagem pela trilha em que passa o minério nos levam aos locais por onde ele é exportado, no Espírito Santo – Vitória, Vila Velha e Anchieta. Em Vitória, capital do estado, a beleza das praias contrasta com o Porto de Tubarão, o que mais embarca minério de ferro no mundo. Vila Velha mostra o potencial do turismo como fonte econômica em dois cartões postais: o Convento da Penha e o Museu Ferroviário, que conta a história da EFVM e da mineração.

Já em Anchieta, a 85 km de Vitória, visitamos uma região que está em pleno desenvolvimento econômico. Impulsionada por investimentos da Vale e da Petrobras, a cidade fundada pelo missionário jesuíta – de quem recebe o nome -, convive há mais de 30 anos com as linhas finais dos minerodutos da Samarco Mineração. O atual desafio do município é planejar a administração dos recursos que vão ser repassados por meio de royalties.

Viagem no trem da Estrada de Ferro Vitória a Minas de Belo Horizonte a Ipatinga.

Acompanhe
A Revista Dois Pontos começa hoje a seguir a “Trilha do Minério”, reportagem em série que percorre os lugares por onde o metal passa, das montanhas até a exportação. Nesse percurso, que vai durar ao menos duas semanas, coloca em debate os diversos aspectos desta atividade econômica que gera riquezas, que está atrelada a visões de progresso e desenvolvimento e envolta em polêmicas e problemas das comunidades nas quais está diretamente inserida e de toda a humanidade.

A “Trilha do Minério” segue por essa semana pelas montanhas nas quais o minério é extraído e onde sua cadeia tem início. Amanhã, vamos contar um pouco da história da mineração no Brasil, como esta atividade econômica se formou e se institucionalizou. Acompanhe e participe.

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