Uma cidade feita de minério
Os 300 anos de Mariana são reflexos da própria história da mineração em Minas Gerais
por Mateus Fagundes
fotos de Simião Castro
Os dias de glória do barroco mineiro, no século 18, são ostentados em cada esquina do seu centro histórico. Igrejas, praças, monumentos e casarões evocam a tradição e a prosperidade de outrora. O solo dali, que um dia já tanto resplandeceu por conta do ouro, ainda brilha. Um brilho esquisito, acinzentado. Um pó de minério de ferro.
O cenário descrito é de Mariana, município localizado a 112km de Belo Horizonte na região central de Minas Gerais, porção sudeste do Quadrilátero Ferrífero. Berço do povoamento do estado, hoje ela é o retrato das cidades que têm a mineração como carro-chefe da economia. Recursos e progresso convivem com problemas urbanos e ambientais.
Desde o princípio de sua história, Mariana mantém uma relação íntima com a exploração dos recursos minerais. Foi a partir do núcleo de povoamento do Ribeirão do Carmo que se desenvolveu o primeiro ciclo de mineração em Minas Gerais, de ouro. Depois dele, vieram outros. “Nós somos fruto da mineração”, constata o professor e geólogo Cristiano Casimiro.
No século 19, foi a vez da Companhia Minas de Passagem, também dedicada à extração aurífera. Encerrado esse ciclo, a cidade caiu no esquecimento. Desenvolveram-se poucas atividades, basicamente comércio e agricultura. A população, saudosista, vivia de memória. De geração em geração, contava-se dos tempos de bonança que o ouro trouxera. Muitos o esperavam de volta.
Brilha, mas não é ouro
Na década de 1960, com o ciclo da mineração de ferro em grande escala no Brasil tomando forma, a bacia de salvação do município foi a descoberta em suas terras de minério de ferro. Novo eldorado se inicia.
Da década de 1960 até 2010, a tradicional “Primaz de Minas” viu a euforia econômica emergir novamente. Assim como no auge da mineração em Minas, em 1720, a implantação das mineradoras S.A. Mineração Trindade (Samitri) – posteriormente Samarco Mineração – e da Vale atraíram grandes contingentes populacionais.
As grandes companhias, porém, em nada se parecem com os garimpeiros que tomaram conta da região do Ribeirão do Carmo, no século 18. No lugar de bateias, tratores e escavadeiras, por cima das ruas estreitas – meticulosamente feitas entre os morros e os cursos d’água – passam carros e caminhões. São poucas as casas para abrigar a população que chega. As minas trazem progresso e contradições. Por enquanto, é a pouco mais de 30 quilômetros do núcleo urbano marianense que as mineradoras mantém suas cavas. Mas se engana quem acha que a distância livra a cidade dos efeitos devastadores dessa extração.
Questão de espaço
Em 50 anos a população urbana saltou de pouco mais de 7 mil habitantes para 47 mil. A cidade aumentou de tamanho seis vezes. E os problemas urbanos, cresceram exponencialmente. Nas ruas, o trânsito se tornou caótico. Pelos dados do Censo 2010, a população divide o pouco espaço com 16.126 veículos na cidade. O centro histórico e seus arredores preservam as ruas estreitas, com calçadas diminutas. Pedestres, automóveis e ônibus disputam os espaços de circulação.
A oferta de moradias também não acompanha o crescimento da cidade. Famílias inteiras, estudantes universitários e funcionários de empreiteiras ligadas às mineradoras se acotovelam na busca de um bom imóvel. E na concorrência por espaços, perdem os que não podem acompanhar os altos preços dos alugueis. Segundo a corretora de imóveis Maria Eliza Pascoal, uma casa cujo valor de locação seria R$ 1,5 mil, é alugada pelo dobro para as empresas da área de mineração. “O dono de um imóvel que iria alugar para uma família por R$ 1.500 vai preferir mil vezes alugar para a empreiteira”, explica.
A socióloga e professora Giulle Vieira da Mata é mais incisiva com relação à especulação imobiliária de Mariana e como é alugar moradia na cidade. “Você não sabe se você escreve um livro de terror ou livro de comédia. Ou um policial!”
Riqueza para quem?
Conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010, 75% dos mais de R$ 2,7 bilhões produzidos na cidade vêm da atividade minerária: um total de R$ 2.036.229.000,00.
A riqueza gerada pela mineração, porém, não fica no município. Ainda segundo os dados do IBGE de 2010, a renda média dos trabalhadores assalariados na cidade é de R$ 1.244,36. Pouco mais de 22 mil pessoas vivem em domicílios com renda igual ou abaixo de um salário mínimo. Diretamente em suas atividades, a mineração emprega 2960 pessoas em Mariana.
A conta do município também é dependente dos repasses da mineração. Do total de R$ 250 milhões de receita do município em 2012, R$ 79 milhões vêm da Contribuição Financeira pela Exploração Mineral (Cfem), os royalties que as mineradoras pagam pela exploração. A Cfem é a maior contribuinte para as contas da Prefeitura.
Pouca visão
A cidade de Mariana desenvolveu uma depedência das atividades minerárias. “Nossa cidade não conseguiria viver só do turismo”, queixa-se Cristiano Casimiro. No entanto, o fantasma do abandono que a cidade viveu no final do século 18 ronda os moradores.
Na última gestão municipal, de 2008 a 2012, a cidade viveu tempos nebulosos. Foram cinco prefeitos diferentes, em sete processos de troca. Instabilidade que foi acompanhada de descaso e descontinuidade de ações do executivo municipal. “Tomara que a população de Mariana veja esse processo que passou como aprendizado. E pense coletivamente. A partir do momento em que você pensa individualmente, as coisas vão dar errado”, avalia o professor.
Com tantos recursos em caixa, somente o planejamento a longo prazo tornaria a cidade capaz de vencer os desafios. “O que nós temos que ter em mente é que as nossas administrações e as administrações das mineradoras elas devem ter harmonia. A proteção do patrimônio, a estruturação da cidade, são coisas que têm que estar em pauta todos os dias”, alerta o professor.
Nada animador
Com o esgotamento das minas localizadas fora do núcleo urbano, as mineradoras dão indicativos de que vão voltar suas máquinas para as regiões próximas às cidades. A Vale anunciou, em 2011, a intenção de reativar a Mina Del Rey em 2014, localizada a cerca de 5 km do centro histórico de Mariana, arrendando-a a outra empresa.
Preocupada com esse anúncio, a entidade “Mariana Viva”, em conjunto com representantes da sociedade civil do município, vêm acompanhando o caso e contrapondo-se à tentativa de reativação por parte da Vale. Uma das integrantes do movimento, a ex-vereadora de Mariana, Aída Anacleto, avalia que os transtornos causados às cidade já são muito recorrentes. Para ela, a proximidade da mina com a cidade é um risco a mais aos moradores. “Os problemas são muito graves. E nós marianenses podemos senti-los muito próximos”, ressalta.
Em nota enviada ao jornal Ponto Final, de Mariana, a Vale minimizou a questão afirmando que o projeto vai gerar 300 empregos diretos, contribuindo com o desenvolvimento socio-econômico da região. Além disso, justificou os reflexos que o empreendimento pode acarretar. “Trata-se de uma operação com pequenas movimentações, com baixo impacto ambiental, logística interna e processo simplificado”, disse na nota.
Há uma petição pública online que visa impedir a reativação da Mina. Até o momento, 267 assinaturas foram colhidas pela página.
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