Vida vegan

May 2nd, 2011Entre AspasNenhum comentário »

por Deborah Dias
Durante os sete dias da última semana nossa repórter Deborah Dias assumiu um desafio: abandonar o consumo de carne e viver como vegetariana.
Deborah passou os primeiros dias da dieta em Belo Horizonte, MG, com a família mas logo voltou para Mariana, MG, onde mora.
Para alguém como ela, amante de uma bela picanha assada, este era um desafio e tanto mesmo. Nas linhas a seguir você acompanha como foi o dia a dia dela com esse novo hábito alimentar e também vai ficar por dentro das histórias de algumas pessoas com quem ela conversou.
Além disso, você vai ver de dentro como é a vida de um vegetariano em uma cidade universitária como Mariana e, ainda, descobrir que vegetarianismo é muito mais que uma modinha. Tem muito caroço embaixo do angu. Aproveite!
 

Dia 01 – Sábado 23/04
Ser vegetariano, pelo menos no início, não parece algo muito fácil. Para encontrar opções de alimentos e resistir a minhas paixões como churrasco e pão de queijo com patê de presunto, por exemplo, foi complicado. Mas apesar disso, meu primeiro dia como vegetariana foi muito interessante. Ao mudar de hábitos eu passei a reparar mais nos hábitos dos outros também. Passei a prestar atenção e dar importância a tudo que ingerimos e até a me perguntar se era mesmo necessário ingerir aquilo.

Sofri com algumas piadas sendo vegetariana, mas elas vieram principalmente pelo fato de antes eu defender, com tudo, a vida alimentar desregulada, sem hora pra comer, sem limites e sem consciência.

Fiquei feliz porque, mesmo com as brincadeirinhas, os amigos que me acompanharam nessa nova rotina não demonstraram preconceitos e, ainda, se interessaram em debater o tema. Alguns até prometeram também diminuir o consumo de carne, mesmo que só pra me dar uma “forcinha” na mudança.

Dia 02 – Domingo 24/04
Domingo é aquele dia em que me dedico a comer e dormir. É também o dia em que minha família tradicionalmente se junta para preparar os pratos mais diversos e saborosos, normalmente repletos de carne: em homenagem ao fim da semana santa o cardápio foi filé de merluza cozido ao molho. Seguindo nosso velho costume teve churrasco e ainda feijão tropeiro com muita linguiça, torresmo, costelinha, carne de sol e bacon. Se resistir a pizza e churrasco ontem foi difícil, resistir a isso tudo hoje foi ainda pior.

Era a única vegetariana do lugar e tive, eu mesma, que preparar minha refeição: mandioquinha frita e batata ao orégano e azeite. A ausência da carne fez com que minha digestão fosse muito mais rápida. Isso também possibilitou um aproveitamento maior do meu dia, já que desta vez eu não me estava impossibilitada de fazer algo por me sentir “pesada” e fui ao cinema.

Por um lado, esse meu segundo dia foi mais “tenso” que o primeiro porque comecei a sentir mais vontade de comer alimentos com carne. Talvez pelo fato de estar “proibido” na dieta. Por outro, fiquei satisfeita e orgulhosa com o que comi. A carne seria apenas um detalhe no prato.

Como último “sacrifício”, resisti a meu vício de Mc Donalds e não comprei o Big Mac que estava na promoção.

Dia 03 – Segunda 25/04
Hoje foi o meu primeiro dia como vegetariana em Mariana e não tive que enfrentar nenhuma tentação, já que fiz minhas refeições em casa e não possuía muitas opções. Antes de viajar para BH, como passaria o feriado prolongado lá, tinha resolvido não encher a dispensa para que os alimentos não perdessem a validade. Agora, praticamente não tinha o que comer.

Ainda perdida sobre o que comprar, tive a ajuda do estudante de jornalismo, Ramon Cotta. Ele me sugeriu “carne de soja, hambúrguer de soja, lasanha vegetariana e lasanha e pizza quatro queijos.” Porém, segundo ele, como encontrar esses alimentos em Mariana ou outra cidade do interior não é algo muito fácil, eu deveria adotar o Restaurante Universitário (RU) da Universidade Federal de Ouro Preto, onde estudo, como uma boa solução. Lá é oferecida opção ovolactovegetariana – vou falar mais sobre isso adiante.

Ramon também me contou um pouco sobre como se tornou vegetariano: “Estou há quase dois anos sem comer qualquer tipo de carne (nem peixe). Minha escolha pelo vegetarianismo foi um ‘basta’ ao sofrimento animal porque, antes da morte em si, muitos sofrem no cativeiro. Eu, fazendo a minha parte, fico com a consciência limpa em relação a isso.”

O contato com vegetarianos acaba facilitando um pouco. Além da companhia eles também podem tirar dúvidas que ainda tenho. Hoje, por exemplo compreendi que vegetarianismo não é simplesmente deixar de comer carne: é um ato que envolve ideologias, religião, saúde e questões ambientais.

Dia 04 – Terça 26/04
Hoje segui o conselho do Ramom e almocei no RU. Também aproveitei para ir ao sacolão e comprar alimentos bem vindos à dieta vegetariana.

Pesquisando um pouco mais a respeito e conversando com o Ramon, aprendi que existem diferentes tipos de vegetarianos. Ele, por exemplo, é ovolactovegetariano, não come nenhum tipo de carne, mas come ovos e leite. Começou junto com um amigo depois de entrarem na ONG Vidanimal. Ele conta que a presidente lhes indicou alguns documentários e, duas semanas depois de assitirem, pararam de comer carne. “No último dia, para despedir, saímos para comer pizza de frango com catupiry.”

Existem outros tipos de vegetarianos. O veganismo, mais radical, não admite consumo de nenhum tipo de carne ou derivados (ovos, leite, entre outros), há casos em que se excluem até produtos como cosméticos e calçados que são feitos ou testados em animais. Existe ainda o semi-vegetarianismo, que é o mais comum, e adota o consumo apenas de carne branca.

Antes eu sempre associava esses hábitos a questões de saúde, já que tanto se discute sobre os possíveis malefícios do consumo de carne. Mas percebi que tem um número muito grande de pessoas que aderem à causa dos direitos dos animais.

Dia 05 – Quarta 27/04
Hoje me dediquei muito às minhas refeições e acabei não sentindo falta de carne nelas. Compreendi que é um equívoco acharmos que precisamos ter algum alimento que disfarce essa ausência, como a carne de soja, por exemplo. É possível fazer refeições saborosas e satisfatórias apenas com legumes e verduras.

Além da questão da exploração dos animais e a saúde, descobri que há certas religiões que, de acordo com seus princípios, praticam o vegetarianismo, como é o caso do islamismo, Hare Krishna, Jainismo e Igreja Adventista do Sétimo Dia, por exemplo.

Outro motivo é ambiental: o consumo desregrado da carne, no mundo inteiro resulta em grandes desmatamentos, poluição, exploração dos recursos hídricos e promoção da má distribuição de alimentos. A enorme quantidade de cereais disponibilizados aos animais poderia suprir as necessidades das populações que passam fome.

Dia 06 – Quinta 28/04
Almocei mais uma vez no RU. Fora isso, no restante do dia, me alimentei muito mal comendo apenas algumas frutas e uma refeição mais elaborada no final da noite. Foi, no entanto, um dia muito produtivo.

O Ramon me apresentou, pelo Orkut, outro estudante de jornalismo vegetariano, o Marcos Paulo, que, por sua vez, me apresentou uma colega da classe dele, a Gisela Cardoso, também vegetariana.

A Gisela, traumatizada quando criança ao assistir seu tio matando um porco, decidiu, aos 15 anos, pelos hábitos vegans (vegetariano radical). Mas, há pouco tempo, passou a ser semi-vegetariana, depois que sua médica recomendou que voltasse a consumir leite, ovos e alguns tipos de carne. Seu peso tinha atingido 36Kg devido à falta de orientação e a família tem histórico de falta de cálcio. O exemplo dela deixa claro o quanto é importante ter acompanhamento de um nutricionista em qualquer mudança de hábito alimentar.

Também assisti ao documentário “A Carne é Fraca” que foi recomendado pelo Ramon. Este documentário é interessante a quem deseja se informar sobre o processo da produção de carne. Mostra o consumo exagerado no Brasil e no mundo e suas consequências.

Dia 07 – Sexta 29/04
Hoje foi um dia em que me dediquei mais a me informar do que a praticar o vegetarianismo. Conversei com o Marco para entender melhor os hábitos vegans. “Não é apenas o hábito alimentar, mas a manifestação de minhas convicções pelos direitos animais e pela melhora das condições dos seres sencientes [que têm capacidade de terem sentimentos]”, foi essa a resposta quando questionado sobre o motivo para ter se tornado vegano. Contou que chegou a almoçar no RU algumas vezes mas, diferente do Ramon, ele não achava o RU uma boa saída. “[Acabou] ficando impraticável já que a opção vegetariana presumia que todos fosse, ovolactovegetarianos, sendo inapropriada para os restritos”. Que é o seu caso. Também mostrou estar ciente que, anulando todos os alimentos que contém carne, pode sofrer problemas de saúde.

Falei hoje à noite, por telefone, com a nutricionista Juliana Garcia Albuquerque que me deu uma visão profissional sobre isso. “Alguns exemplos [de problemas de saúde] são a perda de massa muscular, deficiência da absorção da vitamina B12, anemia, problemas cardíacos e derrame cerebral. Isso acontece devido a falta de minerais, ferro e vitaminas do complexo B, principalmente a B12.”

Conversamos ainda sobre a polêmica acerca dos malefícios da carne. Ela confirmou que “é possível associar o consumo de carne a doenças do coração, colesterol alto, obesidade, diabetes, mau funcionamento do intestino e até o câncer de pulmão. Sendo assim, entre os pontos positivos de ser vegetariano está a prevenção destas doenças.”

Por fim ela lembrou da importância do acompanhamento de um nutricionista. “Com o acompanhamento do profissional é possível fazer um planejamento alimentar de acordo com cada organismo, substituindo a carne por outros alimentos que possuam seus nutrientes.” Com esses cuidados pode-se ser vegetariano e ter saúde ao mesmo tempo.

Tentamos desde sexta-feira contato com a coordenação dos Restaurantes Universitários da Universidade Federal de Ouro Preto, porém, sem sucesso até o final desta edição. No entanto, hoje, a Deborah conseguiu uma declaração extra-oficial acerca disso com uma fonte que não quis se identificar. (Atualização no fim do post) Confira:

Segunda 02/05
Hoje eu consegui falar com os responsáveis pelo Restaurante Universitário (RU) sobre a falta de opção aos veganos. A resposta que obtive foi a seguinte:

Atualmente são servidas 4500 refeições por dia e a opção ovolactovegetariana foi incluída no cardápio há dois anos considerando uma demanda de um grande número de usuários.

Quando perguntei se há pretensão de disponibilizar a opção aos vegans, a resposta foi que o RU ainda não atende ao público como vegans, diabéticos, obesos, hipertensos, entre outros, por não possuir dados sobre quantas são essas pessoas e, sendo, possivelmente, um público muito pequeno, ficaria inviável atendê-los.

Continuaremos tentando contato com a Coordenação dos RUs na busca de um posicionamento oficial. Assim que conseguirmos postaremos a atualização. (Atualizado abaixo)

Atualização – 20-09-2011 | 18h 40
Conseguimos falar com a coordenadora dos restaurantes universitários da UFOP, Nilma Luiza de Moura Rodrigues, que disse que se o cardápio vegetariano fosse abrangente a todos os tipos de vegetarianos, seria necessária a retirada de ovos, leite e queijo da preparação dos alimentos. Isso limitaria muito a variedade dos pratos, sendo que mesmo com esses ingredientes as pessoas já têm reclamado da repetição das opções.

Outra razão da manutenção do cardápio atual é que, retirando esses alimentos, a refeição ficaria incompleta, pois é necessário obter, por exemplo, proteínas – presentes nos ovos. Isso demandaria um maior acompanhamento de nutricionistas aos vegetarianos, e adquirir outra forma de obter esses nutrientes.

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