É possível viver sem minério?

February 7th, 2013Trilha do minério1 Comentário »

por Mateus Fagundes e Simião Castro
A dependência econômica da mineração e o modelo de consumo baseado na utilização de recursos naturais traz à tona a questão do planejamento a longo prazo das ações das mineradoras, do poder público e da própria sociedade. Ouça no podcast:

A mineração está no centro da vida econômica de Minas Gerais e também exerce fundamental importância para o estado brasileiro. O minério de ferro é o produto mais exportado do país. As companhias que fazem a sua extração e o próprio governo se utilizam do discurso de que o desenvolvimento está atrelado à exploração desses recursos. A Vale diz que “não existe futuro sem mineração”. Porém, existirá um futuro sem minério e alternativas tem de ser pensadas.

Correia transportadora de minério de ferro. (Simião Castro)

Correia transportadora de minério de ferro. (Simião Castro)

As discussões sobre o futuro com ou sem mineração ganham cada vez mais corpo. O Centro de Desenvolvimento e Planejamento de Minas Gerais (Cedeplar), vinculado à Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), é um dos polos de construção de conhecimento acerca das projeções para a economia do estado. Na formulação do Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado da Região Metropolitana de Belo Horizonte, que traça as diretrizes locais até 2023, foi contemplado um capítulo para a discussão da sustentabilidade dos territórios minerados. O documento propõe que sejam criados projetos de diversificação produtiva e a criação de um Fórum Metropolitano de Atividades Minerárias, para debater as questões relacionadas à política de desenvolvimento dessas regiões.

No artigo “O novo marco legal da mineração: contexto, mitos e riscos”, publicado em 2012, o professor da Universidade Federal de Juiz de Fora Bruno Milanez, colabora no questionamento do desenvolvimento via mineração. Segundo ele, estamos vivenciando a discussão de um novo Código de Mineração para o país que leva em conta apenas dois agentes (o governo federal e as mineradoras) e ignora as possibilidades de uma economia pós-extrativista. No texto, o professor defende que os usos do subsolo – a mineração, no caso – não pode ter predominância sobre os usos do solo (urbanização, agricultura e outras atividades).

O que se pode fazer com um buraco?
Além de buracos e barrancos – como salientou a ex-vereadora da cidade de Mariana, Aída Anacleto (PT) –, o que deixará a mineração para as próximas gerações? Os planos de fechamento de mina devem ser contemplados pelas empresas desde o início da exploração, porém a lei não tem critérios claros de quem seria o responsável pela recuperação das áreas degradadas.

Obra “Troca-Troca, por Jarbas Lopes” exposta no Inhotim (FOTO: Simião Castro)

Diante do boom da mineração, os lucros continuarão apenas restritos às mineradoras? É preciso pensar em soluções conjuntas com as comunidades afetadas e com o poder público. Em Minas Gerais o Instituto Inhotim, em Brumadinho, é um exemplo disso. A área, antes cava de mineração, começou a ser recuperada a partir dos anos 1980 pela iniciativa privada e hoje se tornou o maior centro ao ar livre de cultura contemporânea da América Latina, com status de Organização Civil de Interesse Público (OSCIP).

O Parque das Mangabeiras, em Belo Horizonte, também é uma dessas experiências. Na região, nos anos 1960 foi instalada a mineradora Ferro Belo Horizonte (Ferrobel), que explorou minério de ferro até 1979. Em 1982, o local se tornou uma imensa área verde preservada e administrada pela Prefeitura da cidade.

No mundo, outros exemplos chamam a atenção. Na Grã-Bretanha, uma região em que antes era explorado caulim foi transformada em um complexo de múltiplos usos, que tem como objetivo ser um grande jardim global que, por meio de estufas, reproduz os diferentes climas do planeta. Na Alemanha, a cidade de Essen, que foi polo mineral e metalúrgico por mais de 100 anos, se tornou um grande complexo de arte e cultura.

Gestão compartilhada
As cidades do Alto Paraopeba, região sul do Quadrilátero Ferrífero, se uniram para propor uma nova gestão dos recursos da Compensação Financeira pela Extração Mineral (Cfem). Por meio de um consórcio público, os municípios se propõe a discutir a longo prazo as soluções para o futuro pós-mineração, minimizando os impactos da produção hoje.

Outras safras
A expansão urbana da Região Metropolitana de Belo Horizonte coincide com com as atividades minerárias no entorno da capital mineira, especialmente nas cidades de Nova Lima e Brumadinho. Embora haja conflitos entre alguns condomínios e mineradoras, outros nasceram das cavas de extração.

É o caso da Lagoa dos Ingleses, empreendimento de alto luxo localizado no entroncamento das BR’s 040 e 356, na entrada para Ouro Preto. O local foi explorado pela Anglo Gold, que de lá extraía ouro. Hoje, ela ganha mais dinheiro em cima. “A segunda safra é a especulação imobiliária. As mineradoras estão na área de expansão urbana e provavelmente o que vai acontecer com as outras é como a Lagoa dos Ingleses”, sentencia a economista e pesquisadora do Centro de Desenvolvimento e Planejamento de Minas Gerais, Fabiana Borges.

Rejeitos
O minério de ferro não é retirado de forma bruta ou isolado da terra. Outros minerais e substâncias estão entre os subprodutos do processo, que acabam sendo destinados às bacias de rejeitos.

As próprias mineradoras estão começando a avaliar a utilização desses recursos. A Vale anunciou no ano passado que até 2018 irá extrair 31 milhões de toneladas de minério de ferro de bacias de rejeitos em minas localizadas em Nova Lima, Ouro Preto, Brumadinho, Itabirito e Mariana. O material depositado tem uma concentração de 35% do minério e passará por processos de concentração até atingir 62%. O minério de ferro continuará sendo um negócio lucrativo. Para a Vale.

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1 Comentário

  1. Marta says:

    Somente agora pude ler e ver o material que vocês estão produzindo há algum tempo. Prova evidente de que o jornalismo crítico, sério e investigativo é possível de ser encontrado na prática. Continuem assim! O jornalismo agradece. Abs; Marta Maia.